Mundo Financeiro

Consórcio: roubada ou bom jeito de poupar?

Hoje em dia, qualquer pesquisa que você faça no Google fará com que o item pesquisado lhe persiga eternidade adentro. Busquei “consórcio” e voila: se eu entrava no Facebook, lá estavam ofertas de consórcio. Nos sites que eu acessava… consórcios. Olhava no espelho, uma oferta de consórcio para tratamento estético. Abria o chuveiro, proposta de consórcio imobiliário.

Pois uma dessas ofertas me chamou a atenção. Uma fintech do ramo, já bem conhecida, me oferecia o consórcio mais barato que existe no mercado. Segundo eles, com taxa de administração de “fazer banco chorar”.

Resolvi fazer uma simulação pensando na compra de um carro popular, nacional, zero quilômetro, que custa R$ 33.940. As condições do consórcio você vê abaixo:

consórcio

Carta de crédito: R$ 32.500

Prazo: 84 meses

Parcela: R$ 433,29

Taxa de administração: 9,99%

Taxa de adesão: não há

Fundo de reserva: 2%

Seguro: não há

A taxa prometida, de 9,99% para qualquer período e modalidade contratada, chama a atenção. Ela é, realmente, bem menor do que as taxas cobradas por consórcios dos bancos tradicionais. Um desses bancos, por exemplo, me ofereceu as seguintes condições:

Carta de crédito: R$ 33.490

Prazo: 84 meses

Parcela: R$ 484,81

Taxa de administração: 18,5% 

Fundo de reserva: 3% 

“Está aí o santo graal para eu comprar meu carro!”, você poderia pensar. Afinal, o consórcio é um jeito muito mais barato do que o financiamento para a compra de um bem. E de fato é. Quer ver?

Outro desses bancos grandes e tradicionais me ofereceu as seguintes condições para financiamento de um carro de R$ 33.490:

Entrada mínima: 10% do valor do carro (R$ 3.349)

Valor máximo financiado: R$ 31.274,72 (esse valor inclui outras tarifas da operação financeira)

Custo Efetivo Total (taxa de juros do financiamento mais encargos da operação): 1,73% ao mês, ou 20,70% ao ano.

No fim das contas, temos na compra do carro de R$ 33.490:

 

Consórcio do “Bancão” Consórcio que faz o “Bancão” chorar Financiamento via “Outro Bancão”
Valor total  R$ 40.656 R$ 36.396* R$ 52.295**
Valor dos juros R$ 7.166 R$ 2.906 R$ 18.805
Quanto a mais pelo carro? 21,4% 11,52% 64%
Valor da parcela R$ 433,29 R$ 484,81 R$ 815,77
Prazo da operação 84 meses 84 meses 60 meses

* Esse valor corresponde a uma carta de crédito de R$ 32.500, portanto, eu ainda teria de colocar R$ 1.440 do bolso para inteirar o valor do carro.

** Esse financiamento implica em uma entrada de 10% do valor do carro, ou seja, R$ 3.394.

Na ponta do lápis, a ideia do consórcio parece ótima, não?

Principalmente se optarmos pela oferta da fintech. Pois eu defendo que, apesar de ser uma alternativa barata para comprar um bem, o consórcio é, quase sempre, uma tremenda roubada.

Continue sua leitura e saiba os porquês.

A ideia do consórcio é ruim em si.

Um consórcio é, grosso modo, um grupo de pessoas formado com o objetivo de autofinanciar a compra de um bem.

No caso do carro, o grupo se junta, cada um compra uma cota no valor de R$ 33.490 (ou R$ 32.500, no caso da opção mais barata) e vai pagando as prestações mensais.

Nessas prestações já estão incluídas todas as possíveis taxas do consórcio (taxa de administração, seguro, fundo de reserva, dentre outras).

O objetivo é que todos os participantes do grupo recebam a carta de crédito ao longo do prazo do consórcio. No nosso exemplo, 84 meses.

Você tem dois jeitos de conseguir sua carta de crédito. O primeiro é ser sorteado. O segundo é por meio de um lance, ou seja, uma oferta de antecipação de pagamentos para receber a carta de crédito. O maior lance ganha. 

Sorteio

Como diz o nome, você vai depender da sorte para conseguir a carta de crédito.

O número de contemplados via sorteio vai depender do quanto o grupo do qual você faz parte tem em caixa. Isso varia em função de vários fatores, inclusive, se todos os participantes levam a parada a sério e pagam as prestações em dia. 

No consórcio que “faz banco chorar”, o grupo do qual eu participaria tem 960 membros. Portanto, se houver caixa para apenas um contemplado por mês (o que é difícil acontecer, vale destacar), minhas chances são de 0,001%.

Na prática, a chance é maior, pois, como já dito, é difícil haver caixa para apenas um sorteio. Mesmo assim, depende da sorte. Parece uma boa?

Lance

Aí temos outro problema. Em geral, os sites de consórcios defendem que, para um lance ter maior probabilidade de vencer a disputa, ele deve corresponder a algo entre 20% e 50% do valor da carta de crédito.

No nosso exemplo, o lance ideal deveria ser, então, de um valor entre R$ 6.698 e R$ 16.745. E nem sempre quem contrata um consórcio tem disponível uma quantia alta como essa para dar como lance. 

Taxas

Além da taxa de administração, existem outras que, geralmente, aparecem apenas nas letras miúdas do contrato. Mas contrato de consórcio é como manual de liquidificador. A maioria guarda naquela “gaveta da bagunça” do rack da sala sem ler. 

Há, por exemplo, a taxa de seguro. As mais comuns são do seguro de quebra de garantia (que cobre situações de inadimplência) e do seguro de vida (que quita as prestações futuras em caso de morte do consorciado). 

Vários consórcios cobram também uma taxa de adesão, cobrada no momento da contratação, e que representa a remuneração dos profissionais que intermedeiam o relacionamento entre o consorciado e a administradora. Finalmente, há a taxa do fundo comum, destinada à composição da reserva de caixa do consórcio. 

A taxa final que o consorciado paga será, portanto, maior do que a anunciada pelos bancos (normalmente, as letras grandes da propaganda são reservadas ao anúncio da taxa de administração apenas. 

É verdade que, no caso da fintech, o consorciado pagará apenas a taxa de administração, sendo isento dos demais encargos. Isso reduz consideravelmente o custo em comparação com o que os bancos oferecem. 

Queda na taxa de juros

Ah, mas o consórcio ajuda quem não tem disciplina para poupar…

Troquei alguns e-mails com o pessoal da fintech explicando minha visão sobre os consórcios (sim, eu sou chato a esse ponto). Um dos responsáveis pelo contato com o cliente até concordou com alguns pontos que levantei, mas a parte que mais me interessou foi quando ele incluiu as finanças comportamentais no assunto:

“Segundo finanças comportamentais, que é a relação da pessoa com o dinheiro, existem pessoas que conseguem poupar e outras não. E o consórcio é uma forma de ajudar as pessoas a pouparem e se planejarem.”

O problema com essa ideia é que as finanças comportamentais estudam os atalhos mentais que criamos e que nos levam a decisões financeiras enviesadas e, na maioria das vezes, prejudiciais a nós.

O objetivo desse campo de estudo é identificar esses vieses e eliminá-los (ou minimizá-los). A dificuldade em poupar é algo que deve ser resolvido com educação financeira, e não com um produto que obriga alguém a pagar parcelas (nas quais estão embutidas todas as taxas que já vimos) mensalmente, como se fossem mais uma despesa. 

Dessa forma, o consumidor segue olhando as decisões financeiras com base no que cabe no bolso. É um paliativo que acaba saindo bem caro. Eu, pelo menos, acho caro pagar 0,21% ao mês para me forçar a ser disciplinado. 

Mas o consórcio nunca vale a pena?

Seria exagero dizer que vale, mas é uma alternativa que pode ser considerada em uma situação: se você realmente precisa do bem no curto prazo e tem bala na agulha para dar um lance certeiro e obter a carta de crédito logo de cara.

Por “bala na agulha”, quero dizer algo entre 60% e 70% do valor do bem.

Ok, não é comum ter entre R$ 20.000 e R$ 23.500 na mão, mas se for o caso, o consórcio passa a ser viável. 

Mesmo assim, há opções.

As concessionárias costumam fazer promoções em que é possível dar uma entrada parruda (algo entre 50% e 60% do valor do carro) e parcelar o restante no cartão de crédito em 12 ou 24 meses sem juros.

Vale lembrar que, apesar do juro zero, haverá encargos como a cobrança do IOF e da taxa de abertura de crédito. Nesse caso, vale comparar as opções do consórcio e do parcelamento sem juros. 

Uma montadora francesa, por exemplo, atualmente oferece uma promoção para a compra de um modelo sedã 1.6, que custa R$ 54.390. Com uma entrada de 65% (R$ 35.353,50), é possível financiar o restante em 36 parcelas de R$ 569,04. O total pago, nesse caso, será de R$ 55.838,94. Essa diferença de R$ 1.448,94 entre o preço à vista e o financiado corresponde ao pagamento de IOF, tarifa de cadastro e despesas de registro de contrato. 

Investindo

Para quem não tem pressa, a melhor alternativa é sempre investir.

Assim, você poupa e recebe juros em vez de pagar. Aplicando em um Título do Tesouro Nacional, como o Tesouro Selic, você tem, atualmente, uma rentabilidade de 0,42% ao mês. 

Isso significa que, se você investir R$ 484,81 (o preço da parcela do consórcio da fintech) por mês durante 7 anos (84 meses – o prazo do consórcio), você terá acumulado aproximadamente R$ 47.000,00 (já líquido de impostos) Provavelmente o carro estará mais caro, por causa da inflação, mas o valor dá e sobra. Seria possível até comprar um modelo melhor. 

Ah, mas quem é que consegue esperar 7 anos para comprar um carro?

Concordo. Vejo alguns cenários, nesse caso. Primeiro, se você já possui um carro, o melhor seria esperar e continuar poupando. Não sendo possível adiar a compra, o ideal seria poupar o máximo possível e optar por um veículo de menor valor, talvez um usado. 

Para quem ainda não tem carro, o raciocínio é parecido: avaliar a possibilidade de adiar a compra e poupar o máximo possível (aproveitando o fato de que não terá despesas com combustível, manutenção, estacionamento, seguro e impostos), tendo como meta dar uma boa entrada e tentar financiar o restante sem juros.


Eduardo Tavares: Especialista em Finanças Corporativas e Investment Banking pela FIA Business School e sócio-fundador do Mundo Financeiro. Além disso, professor de Finanças para cursos de Pós-graduação e MBA na FIA Business School.

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